Um grande susto!

A vida, às vezes, nos traz grandes surpresas. Umas que tratam de elevar nosso prazer de estar vivo e outras que nos põem à prova e nos testam até onde nossas forças podem agüentar. Só que sempre podemos aprender e progredir, mesmo em momentos difíceis. Por isso, relutei, mas resolvi dar este depoimento aqui. Até mesmo para que se alguém vier a ter a mesma coisa, ou souber de algum amigo ou parente que tenha, ou venha a ter, saiba rapidamente o que fazer.

Exatamente no dia 1° de janeiro de 2012, após uma feliz comemoração de reveillon com os amigos do meu prédio, me deu uma dorzinha no fundo do olho esquerdo. Inicialmente, não dei muita atenção, pois pensei que fosse ressaca 8¬) ... mas, a dor não passou nos dias seguintes e fui, sem me preocupar com isso, com minha família para Ubatuba curtir as minhas férias. Uma semana depois, no final da tarde do dia 7, saí para andar na praia e, na volta, comecei a enxergar uma grande quantidade de moscas-volantes na periferia do campo visual. Para quem não sabe, moscas-volantes são aqueles pontinhos que enxergamos quando olhamos para o céu azul. Mas, no meu caso era um enxame!

Voltei para o hotel e peguei um livro para ler e vi que estava com dificuldade, mas como ainda conseguia, pensei comigo mesmo: "vou dormir que amanhã passa" ... porém, no dia seguinte, fechou-se uma cortina que me tirou quase toda a visão desse olho. Fiquei, de uma hora para outra, praticamente, cego do olho esquerdo.

Deu-se início, então, a uma maratona de exames que passei fazendo o resto das minhas férias. Fui em vários oftalmologistas no ABC e em SP, que me pediram toda sorte de exames: mapeamento de retina, retionografia, angiofluoresceinografia, exames de sangue, etc.  Não era: descolamento de retina, glaucoma, catarata ou toxoplasmose. Fui numa neurologista que me pediu tomografia e RNM: não era AVC. Se eu não tinha nada no olho, nem no cérebro, o que eu tinha então? 

É difícil quantificar, mas, nas primeiras semanas, minha acuidade visual caiu a uns 3%. Durante o dia eu via uma cortina marrom e durante a noite um espectro verde, mais ou menos como na imagem abaixo. Acho que perdi o medo de fantasmas, já que estava vendo um todas as noites. Apelidei-o de Gasparzinho, ele tinha que ser meu camarada!

 

Sem um dos olhos, perdi a noção de profundidade: comecei a derrubar coisas e pegar no ar quando alguém me entregava algo. Achei que nunca mais ia ver um filme 3D. Fiquei com medo de dirigir ... mas, com cuidado, conseguia.

Nessas semanas (ainda em janeiro) fiquei muito mal. Eu sou professor, e meu trabalho (e prazer) é ler e estudar. E meu olho direito, que estava valendo por dois, formava imagens com a interferência de luzes piscando do olho esquerdo. Fiquei muito deprimido, não queria mais ficar acordado, já que sonhando eu não via nada disso. Rezava toda as noites para acordar sem isso na manhã seguinte, mas nada! Comecei, então, a pensar em fazer uma besteira ... é sério, quis acabar com a minha vida!

Foi, então, que, um dia voltando de um médico, o qual não tinha me dado nenhuma esperança, vim chorando o caminho todo de casa e resolvi buscar a ajuda que a toda-poderosa ciência não estava me dando. Passei em frente a um centro espírita e quando cheguei em casa, pedi para minha esposa ir lá comigo. Isso mesmo: eu, físico, um arauto do materialismo, abaixei a cabeça e resolvi procurar outro tipo de ajuda! Meu velho ceticismo foi dizendo na minha mente: "isso é besteira, eu preciso de uma prova!".  Chegando lá, sentamos no fundo da sala, quase escondidos. Eu deveria estar em um estado deplorável. Tinha um senhor arrumando uns papéis no altar. Ele não estava nem me olhando. Daí, ele pegou dois papéis, veio direto em minha direção e disse exatamente assim:

--- Os médiuns da sala lá de trás pediram para te entregar isso. Eu não sei o por quê.

Eram duas orações que eu guardo em minha carteira até hoje. Minha querida esposa demontou e ela chorou junto comigo ...

Inacreditavelmente, no dia seguinte comecei a melhorar! Acordei bem-humorado e fazendo piada de mim mesmo: meus amigos iam ter que se acostumar com um cegueta; quem quisesse se esconder de mim, bastava ficar do lado esquerdo; para ficar doidão, era só fechar o olho direito ... kkk

E, aos poucos, lenta, mas gradualmente, comecei a recuperar a visão do olho esquerdo! A cortina foi evanescendo e o Gasparzinho foi sumindo. Hoje devo estar com uns 80% de acuidade, as imagens abaixo dão uma ideia da evolução, a diferença é que, no meu caso, tudo se move ainda.

Mas, afinal, o que eu tive?

Após aberto um leque de opções, começou-se a convergir para uma opção: Neurite Óptica, ou seja, uma inflamação do nervo óptico. O link abaixo descreve com mais detalhes: baixa na acuidade visual, caracterizada por discromatopsia e diminuição da sensibilidade ao contraste.

http://www.sboportal.org.br/sbo/scripts/ap/resumos/neurite_optica.asp

É uma doença que pode ter várias causas, uma delas é a chamada desmielinização. A mielina é uma substância que envolve os neurônios e que aumenta a velocidade de transmissão das informações. De fato, em outro exame que eu fiz, desta vez com uma neuro-oftalmologista em seu laboratório na USP, o chamado potencial evocado visual (vide figura abaixo), em que mede-se o tempo de atraso da resposta no córtex a impulsos visuais, deu para o meu olho direito um tempo médio de 2 ms (valor normal de referência) e para o meu olho esquerdo 25 ms.

Resta-me ainda saber a causa para ver o tratamento. Pode ter sido estresse ou, até mesmo, no caso mais grave, um início de esclerose múltipla. Neste caso, terei que conviver com a doença. Pode ser que daqui a uns anos venha a dar no outro olho. Pode ser que eu venha a perder a sensibilidade ao tato. Ou fique muito cansado com qualquer atividade física. Fiz ainda um último exame: foi retirado o líquor da minha espinha dorsal para análise. Eu ainda não sei o resultado.

O fato é que eu só fui melhorar quando comecei a tratar da minha cabeça e da minha alma. Larguei  atividades burocráticas e estou me dedicando mais à física. Estou fazendo academia, acupuntura e voltei a tocar meu baixo. Estou gastando muito mais tempo com a minha filha, esposa, família e amigos.

Minha melhora pode ter sido coincidência? Talvez sim, mas talvez não ...

Certamente, posso dizer que hoje estou vendo a vida com outros olhos, literalmente.