A câmara escura
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Princípio de funcionamento da câmara escura (à esquerda); artista copiando
a imagem de uma torre com o auxílio de uma câmara escura (à direita). |
Já conhecida desde a Antiguidade, a
câmara escura é um recipiente fechado no qual a luz incide por um pequeno orifício, projetando a imagem (invertida) dos objetos à sua frente na parede oposta. No século V a.C., o filósofo chinês moísta Mo Ti, ou Mo Di, ou Mozi (470-391 a.C.) descreveu o efeito de inverter-se uma imagem através de um orifício. E Aristóteles (385-322 a.C.) faz as primeiras reflexões sobre a câmara escura em
Problemata Physica, após notar que a imagem de um eclipse era projetada no chão quando sua luz passava por pequenas frestas entre as folhas.
Posteriormente, a câmara escura foi disseminada entre os árabes, com os quais teve, então, grande desenvolvimento. E foram nos trabalhos de - ninguém menos que um dos maiores homenageados no
Ano Internacional da Luz - Ibn al-Haytham, ou Alhazen, onde, há um milênio atrás, os princípios físicos da câmara escura foram descritos em detalhes. Alhazen utilizou-a para demonstrar que a luz incide sobre os olhos e não é emanada por eles - ao contrário do que Empédocles propôs no século V a.C. Alhazen descreveu na sua obra,
Livro sobre Óptica (1011-1021), o mecanismo da visão, aproveitando-se dos princípios da câmara escura. Combinando provas geométricas com demonstrações experimentais, sua obra influenciou vários pensadores que o sucederam, como Kepler, Descartes e Newton.
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Leonardo da Vinci (à esquerda), Girolamo Cardano (ao centro) e Daniel Barbaro (à direita). |
Na Renascença, Leonardo da Vinci (1452-1519) fez uso sistemático de câmaras escuras. Nessa época -
vimos que -, Roger Bacon introduziu lentes no auxílio à visão, inventado os óculos. Porém, foi um professor de matemática e médico italiano, Girolamo Cardano (1501-1571), quem pôs uma lente convexa no orifício de uma câmara escura, permitindo um aumento no diâmetro do orifício e, por conseguinte, da quantidade de luz coletada, melhorando a qualidade da imagem. Em 1568, Daniel Babaro (1514-1570) adaptou um diafragma à câmara escura e sugeriu que o aparato poderia ser utilizado para auxiliar os desenhistas. E no século XVII, a câmara escura tona-se uma caixa portátil, adaptada ao trabalho artístico. Foi durante este século também que Newton fez uso de uma câmara escura para realizar seus experimentos com a luz (como o da dispersão da luz branca nas cores básicas do espectro visível). Em sua obra
Optiks (1704), Newton escreveu: "Os raios solares penetram a câmara escura através de um orifício redondo, e sua luz foi ali refratada por um prisma, que lançou, sobre a parede oposta, sua imagem".
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Frontispício do livro Giphantie
(1760), de Charles François
Tiphaigne de la Roche. |
Pouco mais de meio século depois, surge, em uma obra de ficção, uma interessante previsão para o processo fotográfico. Foi feita pelo escritor francês Charles François Tiphaigne de la Roche, em seu livro
Giphantie (1760). No livro, o protagonista é levado a uma estranha ilha, chamada Giphantie, onde os nativos lhe explicam o processo para a fixação de imagens: "Você sabe que os raios de luz refletidos a partir de diferentes corpos formam imagens, pintam a imagem refletida em todas as superfícies polidas, por exemplo, sobre a retina do olho, sobre a água, e sobre o vidro ... cubra com um pedaço de tela numa moldura e coloque-a em frente do objeto a ser tirado. O primeiro efeito deste pano é semelhante ao de um espelho, mas por meio de sua natureza viscosa a lona preparada ... retém uma cópia da imagem ... A tela é então removida e levada a um local escuro. Uma hora depois, a impressão está seca e você tem uma imagem".
A fixação química
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Johann Schulze (à esquerda) e Carl Scheele (à direita). |
A câmara escura não bastava. Faltava, ainda, o método químico para a fixação das imagens. Em 1663, Robert Boyle observou escurecimento de sais de prata, mas atribuiu o fenômeno à ação do ar. O primeiro a perceber que tal escurecimento dava-se por causa da luz foi o alemão Johann Heinrich Schulze (1687-1744). Em 1727, ele tratou gesso com ácido nítrico e traços de nitrato de prata e o expôs à ação da luz, obtendo, com o preparado, imagens simples. (Alguns autores consideram-no, por este feito, o pai da fotografia.) Cerca de meio século mais tarde, o químico sueco Carl Scheele (1742-1786), na tentativa de investigar se o
flogístico - suposta substância portadora do calor, conforme acreditava-se na época - estava presente na luz, expôs cloreto de prata em pó à ação da luz solar por duas semanas e, depois, adicionou à parte obscurecida uma solução de amônia que eliminava os cristais de cloreto de prata não sensibilizados. Mas Scheele não estava interessado na fixação de imagens, apenas conjecturou que os cristais de prata retinham o flogístico - supostamente - presente na luz.
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Thomas Wedgwood. |
Por volta de 1800, o artista britânico Thomas Wedgwood - filho de Josiah Wedgwood, famoso ceramista da época - foi o primeiro a tentar imprimir as imagens capturadas numa câmera escura pelo meio de uma substância sensível à luz. Ele usou papel e couro tratados com nitrato de prata. Apesar de ele ter conseguido capturar as sombras de objetos expostos diretamente à luz do Sol, as imagens eram muito fracas e ele não conseguiu dar um tratamento às partes não atingidas originalmente pela luz, evitando que a imagem se escurecesse por completo - ou seja, evitando de "queimar o filme". O químico britânico Humphry Davy interessou-se pelos seus resultados e publicou um artigo, amplamente difundido, relatando a técnica. Nele, apesar de Davy citar Scheele, não faz referência à amônia, que poderia ter sido usada na fixação da imagem, principal dificuldade de Wedgwood.
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A primeira fotografia, feita por Joseph N. Niépce (1826). |
Apesar de termos dito que não há "o inventor" da fotografia, existe quase um consenso entre os historiadores de que a primeira fotografia foi obtida, em 1826, pelo inventor francês Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833) - a qual reproduzimos (melhorada) ao lado. A imagem, conhecida como
Vista pela janela em Les Gras, foi feita a partir de uma placa de peltre, impregnada com nitrato de prata e recoberta com betume branco da Judeia, exposta por oito horas, com o auxílio de uma câmara escura, à luz solar. Posteriormente, a imagem foi fixada com essência de alfazema, a qual retirava as partes não afetadas pela luz. Devido à exposição à luz solar, o inventor denominou a técnica de
heliografia. Apesar da pouca nitidez da imagem, o impressionante nela foi sua durabilidade, já que durou até os dias de hoje. Uma década antes, Niépce já havia experimentado com cloretos de prata, recobrindo uma folha de papel com estes sais e expondo-a, também com o auxílio de uma câmara escura, à luz solar. Ele produziu imagens fracas, em negativo, mas não conseguiu suas fixações por um tempo razoavelmente grande.
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Daguerre e o daguerreótipo. |
Em colaboração com Niépce, o gráfico - e seu conterrâneo - Louis-Jacques Mandé Daguerre (1787-1851) refinou o processo de produção do betume e o tratamento pós-exposição, culminando em imagens de melhor qualidade. Os experimentos de Daguerre levaram-no à invenção do
daguerreótipo, o primeiro equipamento fotográfico a ser comercializado. Seu invento foi anunciado com pompas em sessão da Academia de Ciências de Paris, em 7 de janeiro de 1839, pelo físico, astrônomo e matemático francês François Jean Dominique Arago (1786-1853). O daguerreótipo popularizou-se mundo afora, especialmente devido ao fato das pessoas menos abastadas poderem pagar pelos retratos da família e de amigos. Em 1850, os Estados Unidos viveram o auge da chamada
"daguerreomania". O processo físico-químico do daguerreótipo consistia em recobrir uma placa de cobre com uma fina camada de prata polida que, quando submetida a vapores de iodo, reagia formando iodeto de prata. O iodeto de prata, quando sensibilizado pela luz, produzia imagens em questão de - apenas - minutos. A imagem latente era, então, tornada visível por meio de sua exposição a vapores de mercúrio.
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William H. F. Talbot. |
A invenção de Daguerre foi posteriormente aperfeiçoada. O inglês William Henry Fox Talbot conseguiu, em 1835, desenvolver seu próprio processo e estabilizar negativos fotográficos em papel. Em 1839, o astrônomo John Herschel - que,
como vimos, descobriu a luz infravermelha - mostrou que o hipossulfito de sódio dissolve sais de prata. Daguerre, por sua vez, substituiu-o por um tratamento de água salgada quente. Então, em 1840, Talbot usou um papel sensível de cloreto de prata, introduzindo o
calótipo, ou
talbótipo: um negativo em papel sensibilizado com nitrato de prata e ácido gálico, que, posteriormente, é fixado na solução de hipossulfito de sódio. O procedimento de Talbot já era muito parecido com o moderno processo de revelação fotográfica, pois produzia a imagem em negativo, que podia ser positivada e copiada quantas vezes fossem necessárias.
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Joseph Niépce (à esquerda) e seu sobrinho
Claude Niépce Saint-Victor (à direita). |
O procedimento de Talbot resolveu o anseio dos fotógrafos da época de produzir cópias de seus retratos. Porém, seu método enfrentava ainda um problema: a baixa definição das imagens, devido à qualidade do papel. Então, o vidro foi introduzido como meio para produção de negativos. Em 1839, John Herschel fez os primeiros negativos em vidro, mas através de um processo de difícil reprodução. Em 1847, o médico e químico francês Claude Félix Abel Niépce de Saint-Victor (1805-1870) - sobrinho de Niépce - publicou sua invenção: placas de vidro com emulsões de albumina (clara de ovo). Por ter boa transparência, a albumina permitia uma maior passagem da luz, entretanto, era difícil de lidar sem ser danificada.
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Frederick Scott Archer. |
Em pouco tempo, um outro método começou a suplantar os existentes até então: o
colódio úmido, desenvolvido, em 1851, pelo britânico Frederick Scott Archer (1813-1857). Trata-se da mistura de um brometo, cloreto ou iodeto - ou seja, um haleto - com colódio (uma solução de piroxilina com álcool e éter) depositada sobre uma placa de vidro limpa até virar um gel. Então, uma solução de nitrato de prata é inoculada até reagir, formando um haleto de prata. Uma vez que a reação estivesse completa, a placa ainda úmida era posta na câmera para ser exposta à luz, pois perdia a sensibilidade ao secar-se. A placa tinha que ser imediatamente revelada (ainda úmida) numa solução de sulfato de ferro, ácido acético e álcool em água. O colódio apresentava uma logística complicada, mas, apesar disso, dava ótimos resultados, sendo capaz de registrar detalhes finos nas imagens. Foi a técnica predominante nas décadas seguintes.
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Richard L. Marddox. |
A partir daí, outros métodos foram surgindo com o objetivo de superar as desvantagens dos predecessores. Um digno de nota é o emprego da gelatina - ou emulsão - como substrato para os sais de prata. Seu uso, teve início na década de 1851, com o químico inglês Robert Bingham (1824-1870). Mas o uso das emulsões não obteve muito destaque, pois acabou obscurecido pelo emprego do colódio. Foi somente a partir de 1871 que a gelatina como substrato para os haletos de prata evidenciou-se. A divulgação deu-se no
British Journal of Photography, em artigo publicado pelo seu fundador, o médico inglês Richard Leach Marddox (1816-1902), neste mesmo ano. Por isso, é muito comum encontrar citações atribuindo a ele a introdução do método. No artigo, Marddox relata a obtenção da emulsão através da adição de nitrato de prata e bromo. Vale ressaltar que a gelatina era utilizada até recentemente nos filmes fotográficos comerciais - e que alguns artistas e fotógrafos amadores ainda preservam tais técnicas tradicionais, apesar da revolução digital da atualidade.
Desenhando e pintando com luz
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Tartan Ribbon, a primeira fotografia colorida,
obtida em 1861 por Thomas Sutton. |
As fotografias produzidas até então eram todas em preto e branco, contudo, as fotografias coloridas eram objeto de várias tentativas. A primeira bem sucedida data de 1848, produzida por Alexandre-Edmond Becquerel (1820-1891) - pai de Henri Becquerel - por um método interferométrico, aperfeiçoado posteriormente por Gabriel de Lippman (1845-1921) e hoje conhecido como
método de Lippman. Mas as exposições de Becquerel eram demasiadamente grandes e as imagens não se fixavam por muito tempo, tendo que permanecer na escuridão. Em 1855, surge uma proposta dada por - também ninguém menos que um dos grandes homenageados no Ano Internacional da Luz - James Clerk Maxwell. Vimos, na postagem do mês passado, que Maxwell estudou com atenção a estrutura e as propriedades das cores, lançando as bases da
colorimetria. Assim, ele propôs que as cores básicas pudessem ser superpostas na captação de imagens coloridas. Em 1861, Thomas Sutton superpôs três fotos em preto e branco, tomadas, cada uma, através de filtros vermelho, verde e azul e obteve a primeira fotografia colorida da história - reproduzida ao lado. A foto, batizada de
Fita Tartana, foi dada a Maxwell para ser usada durante uma apresentação.
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George Eastman (à esquerda) e uma Kodak Brownie (à direita). |
O processo fotográfico passou depois por diversos refinamentos. Em 1884, o americano George Eastman (1854-1932) desenvolveu o método de gel seco em papel, o
filme, substituindo as placas fotográficas e evitando que os fotógrafos carregassem consigo um mini-laboratório químico com diversos produtos tóxicos. Em 1888, ele fundou a empresa Eastman Kodak com a qual popularizou o uso do filme de rolo. A compacta e versátil câmera Kodak Brownie (vide imagem) foi lançada em 1900; seu slogan era: "Você aperta o botão, nós fazemos o resto". O filme de rolo foi também a base da película cinematográfica, basicamente um rolo de filme maior que permite fotografar uma sequência de imagens. As imagens, ao serem reveladas e projetadas em sequência, criam a ilusão do movimento - nascia o
cinema. Os primeiros cineastas foram Eadweard Muybridge (1830-1904) e Louis Le Prince (1841-1890), seguidos por León Bouly (1872-1932), Thomas Edison (1847-1931), os irmãos Lumiére e Geórges Méliès (1861-1938) - não vou entrar em mais detalhes, pois na história do cinema há, tranquilamente, material para uma nova postagem.
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Os irmãos Lumiére (à esquerda) e um autocromo da
Primeira Guerra Mundial (c. 1917).
"Nieuport 23 C.1". via Wikimedia Commons |
Aliás, os iluminados irmãos, Auguste Marie Louis Nicolas Lumiére (1862-1954) e Louis Jean Lumiére (1864-1948), deram o próximo passo em direção às fotografias coloridas. Seu processo era baseado nas ideias do inventor francês, Louis Arthur Ducos du Hauron (1837-1920), que, em 1868, patenteara o princípio e, no ano seguinte, as publicara em
Les couleurs en photographie, solution du problème (1869). Em vez de tirar três fotografias separadas por filtros de cores, como Maxwell sugeriu, no processo
autocromo - introduzido pelos irmãos Lumiére em 1903 -, a fotografia era tirada sobre um mosaico de pequeníssimos filtros depositados numa emulsão. Os três filtros das três cores básicas estavam presentes, porém, na forma de minúsculos grãos. Ao se fazer a revelação as cores misturam-se nos olhos produzindo a sensação de que a imagem é colorida. Uma nova fase para as fotografias coloridas viria após o ano de 1935, quando foi introduzido o filme
kodacromo, pela Eastman Kodak. A diferença estava no uso de um filme em que a superposição de cores se dava de maneira subtrativa, ao contrário do método aditivo adotado no autocromo - para mais detalhes sobre superposição de aditiva ou subtrativa de cores, consulte minha postagem
Desvendando o arco-íris.
A revolução digital
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Um dispositivo de carga acoplada (CCD). |
Em 1957, um grupo do National Institute of Standards and Technology, liderado pelo cientista da computação Russel Kirsch (1929-), desenvolveu um scanner capaz de transferir imagens, gráficos, etc. para código binário, armazenando-os na memória de um computador. Uma das primeiras imagens escaneadas por Kirsch foi de seu filho Walden, com resolução de 176 x 176 pixels e apenas 1 bit por pixel, em preto e branco. Em 1969, os cientistas do AT&T Bell Labs, Willard Boyle (1924-2011) e George Elwood Smith (1930-) desenvolveram o dispositivo de carga acoplada, ou
Charge-Coupled Device (CCD), um dispositivo semicondutor que contém uma matriz de capacitores que acumula cargas proporcionalmente à intensidade de luz incidente. Quando ligados a controladores digitais, estas voltagens são lidas e armazenadas nas memórias dos computadores. As CCDs tornaram-se a base da tecnologia digital de captação de imagens digitais, estando, hoje, presentes em todos os aparelhos como câmeras digitais, filmadoras digitais, celulares, etc.
Com a popularização das fotografias digitais, surgiram sites na internet especializados em armazená-las. Em sites ou aplicativos como
Flickr,
Picasa,
Instagram,
PhotoBucket ou
Facebook, pessoas do mundo inteiro podem ver as imagens postadas. Então, divirtam-se desenhando com a luz!