sexta-feira, 31 de julho de 2015

Luz Amplificada por emiSsão Estimulada de Radiação


Lentamente uma corcova subiu para fora da cabine, e o fantasma 
de um feixe de luz pareceu centelhar dali. Imediatamente, 
lampejos de fogo real, um clarão luminoso pulando de um para 
outro, surgiu de um grupo disperso de homens. Era como se um 
jato incidisse sobre eles brilhando numa chama branca. Era 
como se cada homem repentina e momentaneamente pegasse fogo 
(...) Um quase sem ruído e cegante brilho de luz, e um homem 
caiu de cabeça e ficou imóvel; e conforme o dardo invisível de 
calor passou sobre eles, pinheiros exploridam em fogo, e cada 
arbusto tojo seco tornou-se com um baque surdo uma massa de 
chamas (...) Era uma rápida e constante varredura redonda, esta 
morte flamejante, esta invisível, inevitável espada de calor. 
 

Os trechos acima - com livre tradução minha - são do romance de ficção científica A Guerra dos Mundos (1898), do escritor britânico Herbert George Wells (1866-1946). Neste capítulo do livro, intitulado O Raio-Calor, o autor descreve em tudo, com exceção do nome, ficcionais laseres infravermelhos de alta potência que os marcianos, durante uma invasão à Terra, usariam para fritar os terráqueos. Wells havia feito, pioneiramente, a previsão de uma arma baseada em luz, muito antes da invenção do laser. E este artefato para sempre marcaria presença nas estórias de ficção científica: de Buck Rogers (1928) a Guerra nas Estrelas (1977).

Concepção artística de A Guerra dos Mundos (fonte: dealspwn).

Aliás, o raio da morte é um conceito bem antigo e que atravessou séculos. Numa postagem anterior, descrevi como Arquimedes teria usado a ideia para queimar navios da frota romana. E ainda escreverei sobre o brilhante inventor Nikola Tesla. Há rumores de que ele tivera sua própria versão para o raio da morte: em 1934, Tesla teria apresentado aos militares americanos um dispositivo chamado Teleforce, capaz de dizimar exércitos a 400 km de distância. E, apesar das lendas de que até mesmo testes teriam sido feitos no Ártico, não há evidências de que o protótipo tenha sido desenvolvido e, ademais, as autoridades negam seu envolvimento com a estória.

Seguindo nossas homenagens ao Ano Internacional da Luz, vamos explorar neste mês, esta fundamental tecnologia do nosso tempo: o laser, cujas aplicações não estão motivadas somente pela destruição, mas, também, por diversas finalidades benéficas nas mais diversas áreas.

Laser sendo utilizado em um laboratório
de pesquisa (fonte: pixabay).

Apesar da ideia fundamental ter surgido com Einstein, em 1917, levou cerca de 40 anos até a primeira versão bem-sucedida do dispositivo ser desenvolvida. Primeiramente, na faixa das micro-ondas, foi montado o maser, depois, na da luz, o laser. Os laseres são dispositivos que produzem intensos feixes de luz monocromática, coerente e altamente colimada. Sua capacidade de concentrar o feixe numa região muito pequena com quase nenhuma dispersão é a que proporciona a vasta gama de aplicações práticas para o laser.

Terminologia 


O termo laser é uma sigla de "light amplification by stimulated emission of radiation". O termo foi cunhado no título de um artigo publicado por Gordon Gould, em 1959. Na terminologia moderna, "luz" aplica-se às diversas formas de radiação eletromagnética, não somente à luz visível. Desta forma, bastando projetar um dispositivo nas diferentes faixas do espectro eletromagnético, teremos: o "laser de micro-ondas", o "laser infravermelho", o "laser visível", o "laser ultravioleta" e o "laser de raios-X". Historicamente, o "laser de micro-ondas" precedeu o "laser visível" e o termo maser, ainda hoje, é empregado para os aparatos que operam nas faixas das micro-ondas e das ondas de rádio. Gould, generalizando, introduziu o sufixo "-aser" em todas as faixas do espectro, assim, respectivamente, são designados: maser, iraser, laser, uvaser, Xaser. Mas, como veremos, o aparato que produz o laser é um oscilador óptico, porém a sigla de "light oscillation by stimulated emission of radiation" (loser) foi evitada.


Emissão estimulada de radiação


A física do processo fundamental para o desenvolvimento do laser foi proposta em um artigo de Einstein: "Sobre a teoria quântica da radiação" (1917). Nele, Einstein faz uma re-determinação da lei de radiação de Planck baseando-se em coeficientes probabilísticos, os coeficientes de Einstein. Ele introduziu um coeficiente de absorção, um de emissão espontânea e um de emissão estimulada.

Emissão estimulada de radiação (fonte: Wikipedia).

Quando um elétron absorve energia de algum processo de excitação (luz, calor, eletricidade, etc.), ele recebe a energia correspondente do quantum de energia. As transições são permitidas somente entre níveis discretos de energia e a separação entre estes níveis é proporcional à frequência da radiação absorvida (vide modelo atômico de Bohr em "O quantum de luz"). Se o elétron for excitado a um nível de energia mais alto, ele não pode permanecer ali para sempre. O nível livre abaixo é reocupado após um tempo particular, característico da transição. Se esta transição ocorrer sem influência externa, é chamada de espontânea. Um material com uma grande quantidade de átomos excitados dessa forma, emitem os fótons isotropicamente, com frequências distribuídas em torno de um valor central e sem nenhuma relação de fase entre si. Os fenômenos da fluorescência e da emissão térmica são exemplos desse mecanismo.

Agora, se um agente externo (como um campo eletromagnético, por exemplo) possuir a frequência associada à transição entre os dois níveis, ele a favorece altamente. A emissão é dita estimulada, produzindo, neste caso, um fóton adicional, que é uma cópia exata do fóton incidente. Assim, a luz gerada por emissão estimulada é similar à do pulso de estímulo, reproduzindo seus comprimento de onda (ou frequência), fase e polarização. Essas características conferem coerência à luz emitida. O laser é a implementação tecnológica do mecanismo da emissão estimulada.

O aparato


Para se construir um laser são necessários um meio de ganho, um mecanismo de alimentação (ou bombeamento) e um retorno óptico – ou de outros tipos de onda.  Usualmente, o meio de ganho é um material de tamanho, forma, pureza e concentração controlados, podendo ser de qualquer estado físico: sólido, líquido, gás ou plasma. O material absorve a energia bombeada, promovendo os elétrons para um nível de energia excitado. Quando o número dos elétrons excitados excede a quantidade dos do nível mais baixo, tem-se a chamada inversão de população – fundamental para a manutenção do processo. Neste caso, a quantidade de luz produzida devido à emissão estimulada é maior que a quantidade de luz absorvida e a luz é amplificada.

Laser de He-Ne do Laboratório Kastler-Brossel da Universidade de Paris.
O plasma brilhante na cavidade do aparato não é o laser. Essa luz corresponde
a emissões incoerentes pelo meio de ganho (a mistura de gases) causada
pela descarga elétrica que alimenta o processo (fonte: Wikipedia)   

Se este amplificador for posto dentro de uma cavidade óptica ressonante, obtém-se o laser – ou, no caso do maser, uma cavidade ressonante de micro-ondas. A cavidade óptica mais comum é formada por dois espelhos, um em cada extremidade do meio de ganho. A luz é refletida por esses espelhos, indo e voltando várias vezes, até ser amplificada. Tipicamente, um desses espelhos é semitransparente e parte da luz escapa através dele, provendo a saída do laser. Dependendo do desenho da cavidade e do acoplamento óptico que vier em seguida (um conjunto de lentes, por exemplo), o laser pode ser emitido de forma espalhada, concentrada ou formando um feixe estreito.

Componentes típicos de um laser: 1- meio de ganho,
2- bombeamento de energia, 3- espelho, 4- espelho
semitransparente, 5- saída do feixe. (fonte: Wikipedia)

A luz emitida pelo processo de emissão estimulada é muito similar ao sinal de entrada. Seu comprimento de onda, fase e polarização são muito próximos do pulso de estímulo. Isto permite que se mantenha a monocromaticidade, a coerência e a polarização uniforme dos campos eletromagnéticos.  Se o feixe emitido viajar pelo espaço livre, ele pode ser aproximado por uma distribuição gaussiana em torno do eixo óptico, exibindo mínima divergência. Próximo da região focal, o feixe é altamente colimado, quase sem diveregência e as frentes de onda são praticamente planas e normais à direção de propagação. No entanto, sabe-se que o feixe gaussiano sofrerá o efeito da difração, e, de acordo com a teoria, o feixe diverge por um ângulo que varia inversamente com o seu diâmetro. Por exemplo, o feixe gerado diretamente por um laser de He-Ne se espalha por cerca de 500 km se apontado e incidir na superfície da Lua, partindo da Terra. Por outro lado, feixe de um material semicondutor de um laser pointer tem grande divergência: de até 50º; mas pode ser apropriadamente colimado por um conjunto de lentes.

Os precursores


Einstein previu o fenômeno em 1917, quando teorizou que há, na verdade, duas maneiras de um átomo emitir fótons: através das emissões espontânea e estimulada. E que para a emissão estimulada, um fóton com a exata energia de uma emissão, provoca a transição e o átomo emite uma cópia exata do fóton incidente.

Rudolf Ladenburg (à esquerda) e Alfred Kastler (à direita).
Em 1928, Rudolf Ladenburg (1882-1952) confirmou a existência do fenômeno da emissão estimulada. Em 1950, Alfred Kastler (1902-1984) propôs o bombeamento óptico, processo no qual luz é usada para promover elétrons para níveis mais altos de energia. E Kastler, dois anos depois, em colaboração com Jean Brossel (1918-2003), demonstrou experimentalmente o processo. Kastler recebeu o Prêmio Nobel de Física do ano de 1966.



Charles Townes e o maser.
Em 1953,  Charles Hard Townes (1915-2015) e seus estudantes James Gordon e Hebert Zeiger produziram um dispositivo para gerar a primeira micro-onda amplificada. Dispositivo que ficou conhecido como maser. Entretanto, o maser de Townes era incapaz de produzir uma saída contínua.

Nikolay Basov (à esquerda) e Alexander Prokhorov (à direita).
Enquanto isso, na União Soviética, Nikolay Basov (1922-2001) e Alexander Prokhorov (1916-2002) trabalhando com osciladores quânticos resolveram o problema da saída contínua. Em 1955, os cientistas russos sugeriram o bombeamento óptico em um sistema de múltiplos níveis, facilitando assim a inversão de população. Eles promoveram o preenchimento de um nível intermediário de energia, próximo ao nível superior, com uma grande quantidade de elétrons. Neste nível, os elétrons permanecem com uma população meta-estável por um tempo suficiente para que seja gerado o pulso incidente que dispara a transição estimulada. Em 1964, Townes, Basov e Prokhorov dividiram o Prêmio Nobel de Física "por trabalhos fundamentais no campo da eletrônica quântica, que levaram à construção de osciladores e de amplificadores baseados nos princípios do maser e do laser".

Theodore Maiman e o primeiro laser funcional.
Em 1960, Theodore Harold Maiman montou o primeiro laser funcional, utilizando um cristal de rubi como meio ativo. O laser de rubi produz luz vermelha (λ = 694,3 nm) pulsada com duração de milissegundos.

Aplicações


Desde sua invenção na década de 1960, foram encontradas centenas de aplicações para os laseres nas mais variadas seções da sociedade moderna, como: a pesquisa científica, a tecnologia da informação, a eletrônica, a medicina, a indústria, além dos usos militar, para a aplicação da lei a para o entretenimento, etc.

Aplicações para os laseres.

Alguns usos comuns dos laseres:
  • Medicina: cirurgias ou tratamentos a laser, remoção de pedras (dos rins, por exemplo), oftalmologia, ortodontia, etc.;
  • Indústria: cortes, soldas tratamento térmico, medidas à distância, etc.;
  • Forças armadas: marcação de alvos, munições teleguiadas, defesa contra mísseis, blindagem de tropas, etc.;
  • Aplicação da lei: identificação de digitais, "radares" rodoviários, etc.;
  • Comunicações: transmissão de dados via fibras ópticas, monitores a laser, holografias, etc.;
  • Pesquisa: espectroscopia, espalhamento, interferometria, recozimento a laser,  desbaste de materiais microscópicos – ou, até mesmo, nanoscópicos –, lidar (o análogo óptico do radar), etc.; 
O primeiro uso do laser no dia-a-dia veio com o leitor de código de barras, em 1974. O tocador de laserdisc foi o primeiro produto contendo um laser a chegar no mercado (1978), mas foi o tocador de Compact Disc (CD) o primeiro a tornar-se popular (1982) – seguido de perto pelas impressoras laser. Outro uso bastante popular para o laser pode ser visto em quase todas as conferências: o laser pointer.

São verdadeiramente infindáveis as aplicações do laser nas ciências em geral. E sempre serão. Mas tem uma que eu gostaria de citar: a de um time de pesquisadores da Universidade de Osaka que este ano (2015) conseguiu disparar um laser de 2 petawatts (2 x 1015 W), o mais potente do mundo, estabelecendo um novo recorde de potência. O laser gigante, de 100 m de comprimento, tem consumo equivalente a 1000 vezes o mundial. 

Show de laser display (fonte: Daily Mail).
Atualmente, os laseres estão sempre presentes em shows musicais ou nas danceterias. Os chamados laser displays consistem de um conjunto de feixes de várias cores realizando performances visuais, tipicamente acompanhando as músicas e divertindo a audiência. Mas, em 2008, pelo menos uma dúzia de participantes de uma festa rave, nas proximidades de Moscou, foram cegados pelo laser display da festa. O evento seria a céu aberto, mas chuvas pesadas fizeram os organizadores transferi-lo para um galpão. Os laseres, projetados para serem lançados ao ar livre, refletiram intensamente na cobertura do galpão, causando queimaduras permanentes nas retinas de várias pessoas.

Nunca devemos olhar diretamente para um feixe de laser – para esses russos bastaram suas reflexões. Mesmo os pouco potentes podem causar danos à retina. Fica a dica. Como toda arma, a de luz pode ser perigosa. Então, divirta-se, mas com moderação! Até a próxima ... 

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